O Brasil está em
crise. E ao invés de travarmos nossas mentes, acossados pelo temor
do futuro, devemos partir para o ataque, propor, tentar aclarar as
coisas em meio a esse turbilhão de informações.
O que aconteceu de
2014 para 2015 no Brasil? Da festa da “maior copa já realizada”
(sic) passamos a uma crise profunda, que se inicia a partir da
reeleição da presidenta Dilma (PT).
“Conheces teu
inimigo e conhece-te a ti mesmo”, ensina Sun-Tzu.
Tentarei, então, decifrar esse inimigo que, nesse momento, paira
sobre nosso país.
Ato 1: Não se põe
vinho novo em odres velhos
Em 2002 Lula, um
ex-sindicalista, é eleito presidente da República tendo como
companheiro de chapa um empresário. Falávamos então de um grande
pacto social, de esperança, de construção de um país
melhor. E, compondo um governo de centro-esquerda, convida o PMDB
para repartir o poder.
Não sei se teríamos
todas as conquistas da era PT sem essa aliança, e sinto náuseas de
pensar se teria “valido a pena”.
O fato é que, à
medida que o governo foi perdendo apoio político por conta de seus
acertos (cito três em específico: ascensão da Petrobras a player
mundial, oportunidade das classes baixas de competir com a classe
média, e união política e financeira com os BRICS), o PMDB
passou a possuir cada vez mais poder e influência no governo.
A popularidade de
Lula impedia que o PMDB conseguisse mais espaços (leia-se cargos). Mas a correlação de forças mudou durante o governo Dilma:
de “funcionário” o PMDB foi promovido a sócio do governo, e
agora ensaia passar a chefe.
Em 2015, acossada
por uma crise nas contas públicas nacionais, enfrentando um país
dividido e uma oposição que não aceita o resultado das urnas,
Dilma busca sua governabilidade através de uma guinada à direita.
Por exemplo, nomeou um executivo financeiro para o
Ministério da Fazenda (seria como
contratar o lobo pra cuidar do galinheiro?) e uma
representante de tudo aquilo que o PT sempre combateu para o
Ministério da Agricultura.
“Uma estratégia
ótima”, deve ter pensado a presidenta. Fico com meus amigos dos
movimentos sociais e agrado meus novos amigos de cima, como
“funcionou” nos tempos do Lula. Só que os ricos não passaram a
amar a Dilma, muito menos os movimentos sociais estão contentes com
o que estão assistindo.
Nosso problema hoje
não é a ofensiva da direita, mas a ausência do pensamento e da
ação social da esquerda. Elegemos uma candidata do PT, mas estamos
assistindo a um governo de direita.
Dilma, você não pode ficar
presa a uma estratégia que não funciona mais. Não há
saída pela receita econômica conservadora. É hora de partir
para o ataque. E vamos entender por
quê.
Ato 2: Crise
econômica ou Crise da dívida?
A crise não é
brasileira, a crise é mundial. As instabilidades financeiras no
mundo arrastam-se desde 2008. Não havia chegado ao Brasil com força
ainda porque, durante os governos do PT (2002-2014?), o país
experimentou um grande crescimento do mercado interno.
Por exemplo,
segundo o Banco Central (BC), o atual valor do salário mínimo é o
mais alto desde agosto de 1965. Cerca de 40 milhões de pessoas ingressaram na classe média durante
os governos do PT. O consumo foi ainda estimulado (seria
enfeitiçado?) pela facilidade de crédito.
A “gastança”
durante os anos do governo PT não gerou a crise atual, pois se
tratava de investimentos na economia real. O problema está nos
investimentos feitos na economia irreal.
A dívida
pública aumentou durante os governos do PT. A quantidade de
títulos emitida pelo Tesouro Nacional passou de cerca de dois¹ para
três trilhões de reais entre 2002 e junho de 2014². Para garantir
(leia financiar) a estabilidade política, o PT optou por deixar de
lado uma de suas principais bandeiras ideológicas.
No ano passado,
entre juros e amortização da dívida, o governo federal
autorizou a sangria de quase um trilhão de reais do nosso orçamento.
Conforme explica o site Auditoria Cidadã da Dívida,
“essa quantia corresponde a 12 vezes o que foi destinado à
educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que o dobro dos
gastos com a Previdência Social”.
O jogo funcionou
enquanto a economia aquecida (e o alto preços das commodities)
mantinha as receitas do governo no azul, que fazia a sua parte
mantendo a taxa Selic em um patamar baixo. Entretanto, quando esse
ciclo de crescimento se encerrou, veio 2015!
As crises política
e econômica estão entrelaçadas. Os sucessos econômicos da era
Lula desmobilizaram a direita, que não conseguiu reerguer-se mesmo
após todo o circo mediático do “Mensalão” em 2005.
Aqueles que
desejavam no seu íntimo que todos houvessem morrido em 1964 não
haviam deixado de existir, apenas tinham vergonha de se mostrar.
A crise ideológica
do governo, entretanto, deu carta branca para seus inimigos ganharem
as ruas.
Ato 3: A dívida
impagável
O governo federal
passou de um superávit fiscal de R$ 77 bilhões em 2013 (1,6% do
PIB) para um déficit³ de R$17,24 bilhões em 2014, ano eleitoral. O
resultado corresponde ao primeiro déficit primário³ em 18 anos.
Para esse ano, mesmo o objetivo simbólico de poupar 0,15% do PIB
parece uma meta inalcançável.
Acontece que há uma
mentira embutida nesses números. Mesmo nos anos em que
o governo obteve superávit, na verdade se tratou
de déficit quando incluímos na conta os gastos com juros. Isso
explica o aumento da dívida pública mesmo com os bons números
fiscais apresentados pelo governo até 2013.
Ou seja, ao mesmo tempo que o governo retirou R$ 1,7 bilhão da saúde e R$ 1,165 bilhão da educação,
reservou na proposta orçamentária deste ano R$ 1,356 trilhão para gastos com a dívida pública
Esse mês de julho
assistimos ao sétimo aumento consecutivo da taxa Selic, que chegou a
14,25%. A insentatez econômica dessa decisão é tão clara que uniu
em críticas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e centrais
sindicais (aqui e aqui). Só o aumento de 2,5% autorizado pelo
governo Dilma desde o início do ano impactou as finanças públicas
em cerca de R$ 50 bilhões.
O desaquecimento da
economia reduz a arrecadação do governo, que por sua vez diminui os
investimentos públicos que, por sua vez, contribuem para o
desaquecimento da economia. Como o mercado global está desacelerado,
não poderemos contar com ingresso de recursos via exportações.
Não haverá saída
sem a adoção de medidas políticas e econômicas ousadas. E eu temo
que, pessoalmente, a presidenta não esteja disposta a correr os
riscos políticos necessários.
Continua.
¹ O valor nominal
da dívida àquele período correspondia a 838 milhões 796 mil
reais, sofrendo uma correção de 139,27% de acordo com o IPCA Geral
acumulado no período.
²
http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201407pfp.zip,
quadro 36
³ Resultado das
receitas menos as despesas do governo, sem contar os valores pagos
com juros da dívida pública.
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