quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Uma luz para o Brasil I: dormindo com o inimigo


O Brasil está em crise. E ao invés de travarmos nossas mentes, acossados pelo temor do futuro, devemos partir para o ataque, propor, tentar aclarar as coisas em meio a esse turbilhão de informações.

O que aconteceu de 2014 para 2015 no Brasil? Da festa da “maior copa já realizada” (sic) passamos a uma crise profunda, que se inicia a partir da reeleição da presidenta Dilma (PT).

“Conheces teu inimigo e conhece-te a ti mesmo”, ensina Sun-Tzu. Tentarei, então, decifrar esse inimigo que, nesse momento, paira sobre nosso país.



Ato 1: Não se põe vinho novo em odres velhos

Em 2002 Lula, um ex-sindicalista, é eleito presidente da República tendo como companheiro de chapa um empresário. Falávamos então de um grande pacto social, de esperança, de construção de um país melhor. E, compondo um governo de centro-esquerda, convida o PMDB para repartir o poder.

Não sei se teríamos todas as conquistas da era PT sem essa aliança, e sinto náuseas de pensar se teria “valido a pena”.

O fato é que, à medida que o governo foi perdendo apoio político por conta de seus acertos (cito três em específico: ascensão da Petrobras a player mundial, oportunidade das classes baixas de competir com a classe média, e união política e financeira com os BRICS), o PMDB passou a possuir cada vez mais poder e influência no governo.

A popularidade de Lula impedia que o PMDB conseguisse mais espaços (leia-se cargos). Mas a correlação de forças mudou durante o governo Dilma: de “funcionário” o PMDB foi promovido a sócio do governo, e agora ensaia passar a chefe.

Em 2015, acossada por uma crise nas contas públicas nacionais, enfrentando um país dividido e uma oposição que não aceita o resultado das urnas, Dilma busca sua governabilidade através de uma guinada à direita. Por exemplo, nomeou um executivo financeiro para o Ministério da Fazenda (seria como contratar o lobo pra cuidar do galinheiro?) e uma representante de tudo aquilo que o PT sempre combateu para o Ministério da Agricultura.

“Uma estratégia ótima”, deve ter pensado a presidenta. Fico com meus amigos dos movimentos sociais e agrado meus novos amigos de cima, como “funcionou” nos tempos do Lula. Só que os ricos não passaram a amar a Dilma, muito menos os movimentos sociais estão contentes com o que estão assistindo.

Nosso problema hoje não é a ofensiva da direita, mas a ausência do pensamento e da ação social da esquerda. Elegemos uma candidata do PT, mas estamos assistindo a um governo de direita.  

Dilma, você não pode ficar presa a uma estratégia que não funciona mais. Não há saída pela receita econômica conservadora. É hora de partir para o ataque. E vamos entender por quê.



Ato 2: Crise econômica ou Crise da dívida?

A crise não é brasileira, a crise é mundial. As instabilidades financeiras no mundo arrastam-se desde 2008. Não havia chegado ao Brasil com força ainda porque, durante os governos do PT (2002-2014?), o país experimentou um grande crescimento do mercado interno.

Por exemplo, segundo o Banco Central (BC), o atual valor do salário mínimo é o mais alto desde agosto de 1965. Cerca de 40 milhões de pessoas ingressaram na classe média durante os governos do PT. O consumo foi ainda estimulado (seria enfeitiçado?) pela facilidade de crédito.

A “gastança” durante os anos do governo PT não gerou a crise atual, pois se tratava de investimentos na economia real. O problema está nos investimentos feitos na economia irreal.

A dívida pública aumentou durante os governos do PT. A quantidade de títulos emitida pelo Tesouro Nacional passou de cerca de dois¹ para três trilhões de reais entre 2002 e junho de 2014². Para garantir (leia financiar) a estabilidade política, o PT optou por deixar de lado uma de suas principais bandeiras ideológicas.

No ano passado, entre juros e amortização da dívida, o governo federal autorizou a sangria de quase um trilhão de reais do nosso orçamento. Conforme explica o site Auditoria Cidadã da Dívida, “essa quantia corresponde a 12 vezes o que foi destinado à educação, 11 vezes aos gastos com saúde, ou mais que o dobro dos gastos com a Previdência Social”.

O jogo funcionou enquanto a economia aquecida (e o alto preços das commodities) mantinha as receitas do governo no azul, que fazia a sua parte mantendo a taxa Selic em um patamar baixo. Entretanto, quando esse ciclo de crescimento se encerrou, veio 2015!

As crises política e econômica estão entrelaçadas. Os sucessos econômicos da era Lula desmobilizaram a direita, que não conseguiu reerguer-se mesmo após todo o circo mediático do “Mensalão” em 2005.

Aqueles que desejavam no seu íntimo que todos houvessem morrido em 1964 não haviam deixado de existir, apenas tinham vergonha de se mostrar.

A crise ideológica do governo, entretanto, deu carta branca para seus inimigos ganharem as ruas.



Ato 3: A dívida impagável

O governo federal passou de um superávit fiscal de R$ 77 bilhões em 2013 (1,6% do PIB) para um déficit³ de R$17,24 bilhões em 2014, ano eleitoral. O resultado corresponde ao primeiro déficit primário³ em 18 anos. Para esse ano, mesmo o objetivo simbólico de poupar 0,15% do PIB parece uma meta inalcançável.

Acontece que há uma mentira embutida nesses números. Mesmo nos anos em que o governo obteve superávit, na verdade se tratou de déficit quando incluímos na conta os gastos com juros. Isso explica o aumento da dívida pública mesmo com os bons números fiscais apresentados pelo governo até 2013.


Esse mês de julho assistimos ao sétimo aumento consecutivo da taxa Selic, que chegou a 14,25%. A insentatez econômica dessa decisão é tão clara que uniu em críticas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e centrais sindicais (aqui e aqui). Só o aumento de 2,5% autorizado pelo governo Dilma desde o início do ano impactou as finanças públicas em cerca de R$ 50 bilhões.

O desaquecimento da economia reduz a arrecadação do governo, que por sua vez diminui os investimentos públicos que, por sua vez, contribuem para o desaquecimento da economia. Como o mercado global está desacelerado, não poderemos contar com ingresso de recursos via exportações.

Não haverá saída sem a adoção de medidas políticas e econômicas ousadas. E eu temo que, pessoalmente, a presidenta não esteja disposta a correr os riscos políticos necessários.

Continua.




¹ O valor nominal da dívida àquele período correspondia a 838 milhões 796 mil reais, sofrendo uma correção de 139,27% de acordo com o IPCA Geral acumulado no período.


³ Resultado das receitas menos as despesas do governo, sem contar os valores pagos com juros da dívida pública.